sexta-feira, 31 de julho de 2020

Projeto Grupo de Pais na Surdez (GPS)

O nascimento de uma criança com surdez é geralmente uma situação inesperada e assustadora, principalmente no seio de uma família de pessoas que ouvem. Os pais não estão preparados para receber um diagnóstico de surdez do seu filho e interrogam-se, como lidar com a falta de comunicação e as representações sociais de uma sociedade que ainda está num processo de aceitação da diferença. Não obstante, esta é a realidade da maior parte dos pais com filhos surdos. Não raras vezes, estas famílias sentem-se isoladas, dado que algumas das suas necessidades não se assemelham às demais, procurando uma nova identidade. É então necessário que os sistemas de saúde, educativo e social lhes proporcionem um acompanhamento de proximidade. A surdez é uma condição muito variável e com diversas especificidades. Assim, as equipas devem tentar apoiar estes pais, fornecendo-lhes ou facilitando-lhes o acesso ao maior conhecimento possível, bem como o suporte emocional devido.

Sendo o Agrupamento de Escolas da Sé a entidade de referência para o ensino especializado de crianças com surdez, sentimos como equipa especializada, a necessidade de criar uma resposta para as famílias das crianças que acompanhamos e que vão desde o ensino pré-escolar até ao secundário. Assim, surgiu o projeto “Grupo de Pais na Surdez (GPS)”, cujo objetivo seria a constituição de um espaço de suporte emocional, de divulgação de informação especializada, de interação entre pais e profissionais, de capacitação parental e de melhoria da dinâmica pais/escola, bem como escola/comunidade. Estes princípios tiveram como base o consenso internacional de práticas recomendadas na intervenção precoce para a surdez (Moeller, M., Carr, G., Seaver, L., Stredler-Brown, A. E Holzinger, D., 2013) e no Decreto-Lei nº54/2018.

Após o interesse manifestado pelas famílias, avançamos para a primeira sessão do projeto que se deu em formato presencial. Foram discutidos assuntos afetos ao percurso educativo dos alunos e os pais expuseram as suas necessidades e sugestões para a melhoria do funcionamento da Unidade de Referência de Educação Bilingue (UREB), bem como atividades a desenvolver pela equipa. A partir daí foram eleitos os temas a integrar nas sessões para o ano letivo em vigor. Posteriormente, a equipa efetuou os devidos contactos com diversas entidades da comunidade que poderiam dar resposta às necessidades emergentes. Para nossa grande satisfação, constatámos uma elevada concordância das mesmas. Todavia, com o aparecimento da pandemia, não foi possível dar seguimento a algumas delas.

Não obstante as adversidades causadas pela nova realidade que nos avassalou, decidimos em conjunto com as famílias dar continuidade ao projeto GPS, mas numa modalidade à distância. Assim, tivemos o prazer de contar com duas das convidadas: a Dr.ª Melissa Cravo, audiologista do CED Jacob Rodrigues Pereira, e a Dr.ª Tatiana Louro, psicóloga e coordenadora do 5 Sentidos. A primeira falou-nos acerca de vários aspetos relacionados com a surdez, nomeadamente dos apoios sociais disponíveis e de tecnologias auditivas, de uma forma muito enriquecedora. A segunda ministrou uma sessão acerca da retoma da nova realidade, abordando estratégias para lidar com situações adversas e esclarecendo dúvidas e receios, o que constituiu um ótimo momento de partilha.

No final, realizámos uma sessão de reflexão com recolha de opiniões e sugestões para o próximo ano letivo, na qual apresentamos um questionário de satisfação de preenchimento anónimo com uma componente quantitativa (perguntas de resposta fechada) e qualitativa (perguntas resposta aberta e mais descritiva), elaborado para o efeito.

O retorno que obtivemos dos pais através do questionário foi muito positivo. Em primeiro lugar, o facto de todos terem respondido foi um bom indicador de envolvimento no projeto. Depois, parece-nos que aprovaram a sua qualidade ao concordarem totalmente ou bastante com as questões relacionadas com a estrutura do projeto, com a utilidade das suas sessões, com a proximidade que este proporcionou entre pais e profissionais e com a importância da sua criação e do enriquecimento pessoal facultado. Abaixo encontram-se dois gráficos exemplificativos destas respostas distribuídas numa escala de Likert de 5 níveis (1- Discordo totalmente; 2- Discordo Pouco; 3- Concordo; 4 - Concordo bastante; Concordo totalmente) às quais responderam as 5 famílias participantes (Gráfico 1 e Gráfico 2).

Gráfico 1 Aproximação entre pais e profissionais



Gráfico 2 Importância da criação do projeto


Concordaram que os profissionais da UREB tiveram um bom desempenho (Gráfico 3), estiveram atentos às suas necessidades e demonstraram capacidade de adaptação às novas circunstâncias. Assentiram também que a coordenação da educação especial e a direção demonstraram a sua colaboração.

Gráfico 3 Desempenho dos profissionais da UREB


Quanto aos aspetos de que mais gostaram no projeto, destacaram-se os relacionados com a vertente informativa e emocional. Dentro da primeira, enalteceram os temas abordados, a possibilidade de esclarecerem as dúvidas, bem como a qualidade das sessões. Na segunda, elencaram a proximidade entre pais e profissionais, o contacto com vários pais e o apoio emocional. Para além disso, na globalidade, não houve menção a aspetos negativos.

Finalmente, todas as famílias referiram que querem participar no projeto para o próximo ano letivo.

Numa nota menos positiva, lamentamos que não tenha sido possível realizar algumas das sessões inicialmente programadas. Porém, os contactos efetuados não terão sido em vão, uma vez que tivemos oportunidade dar a conhecer a realidade da UREB e das famílias que acompanhamos a outras entidades importantes na comunidade. Para além disso, o estabelecimento destas pontes poderá facilitar futuras colaborações. Também gostaríamos de aumentar o número de famílias no GPS, embora tenhamos contado com a maioria.

Partimos para este projeto porque acreditamos que a participação dos pais no processo educativo dos filhos promove a sua autodeterminação e capacitação. Adicionalmente, consideramos que maiores níveis de informação possibilitam tomadas de decisão mais esclarecidas e assertivas. Para além disso, sentimos que a visão parental acerca da UREB permitirá uma melhoria do seu funcionamento e um maior nível de satisfação e confiança nos serviços prestados. Assim, esperamos que este projeto tenha permitido fazer dos pais aliados na partilha de responsabilidades e conhecimentos, de forma a promover um maior bem-estar familiar. 

Concluímos que o projeto GPS obteve dos envolvidos um alto grau de satisfação, nomeadamente pela participação, colaboração e envolvência dos pais e de toda equipa da UREB. Dado que foi considerado uma mais-valia de grande impacto na educação dos seus filhos e consequentemente na comunidade educativa, é desejo de todos a sua continuidade, com atividades que tenham reflexo no sucesso educativo dos seus educandos.

Agradecimentos:

Agradecemos a disponibilidade e colaboração da Dr.ª Melissa Cravo (audiologista do CED Jacob Rodrigues Pereira), da Dr.ª Tatiana Louro (psicóloga e coordenadora do 5 Sentidos, Espaço de Reabilitação e Intervenção Psicoeducacional, Lda), do Dr.º Rui Correia (psicólogo do IEFP da Guarda) e da Professora Dr.ª Odília D. Cavaco (psicóloga do Gabinete de Apoio ao Aluno do Instituto Politécnico da Guarda)

Referências:

Moeller, M., Carr, G., Seaver, L., Stredler-Brown, A. E Holzinger, D. Best Practices in Family-Centered Early Intervention for Children Who Are Deaf or Hard of Hearing: An International Consensus Statement.  Journal of Deaf Studies and Deaf Education. 2013

Decreto-Lei n.º 54/2018

Inês Dinis e Salete Bento

Unidade de Referência de Educação Bilingue do AE Sé

Guarda, julho de 2020