terça-feira, 28 de maio de 2024

Menção honrosa no concurso "Uma Aventura"

                                            Últimos tempos da senhora Micaela

      Um dia, ao final da tarde, saí da escola e fui diretamente para casa do Tiago, o meu melhor amigo. Nesse dia, ele tinha faltado às aulas. Bati à porta, mas ninguém atendeu. Telefonei-lhe, muito aflito, o meu medo estava preso ao meu cérebro. Fiz-lhe inúmeras chamadas, mas sem sucesso. Finalmente atendeu:

      -Olha, Bruno, estou no hospital com a minha avó. Os meus pais estão a caminho. Acho que é melhor ires para casa, pois vou demorar.

Terminei a chamada e regressei apressadamente para casa, pois estava uma ventania que quase conseguia arranhar a pele. Passadas várias horas de espera, recebi um telefonema inesperado:

      -Bru...Bruno, vem para a minha casa, preciso de desabafar contigo.

Ao ouvir estas palavras, tive um mau pressentimento. Fui ter com o Tiago e ele explicou-me a situação: a sua avó apanhara uma pneumonia, já numa fase adiantada. Os pais do Tiago já tinham perguntado aos seus irmãos se queriam tratar dela rotativamente, mas ninguém quis ajudá-la. O Tiago explicou-me a situação toda com a voz embargada. Queria muito ajudá-lo, mas não sabia como fazê-lo.

      A avó Micaela, de 75 anos, era uma senhora muito corajosa e valente, sempre que o seu neto corria risco, era ela a sua protetora, o seu escudo. Era uma idosa muito simpática, pois sempre que eu visitava o meu amigo, dava-me um abraço forte e, muitas vezes, um miminho. Ela tratava-me como se fosse o seu neto. Teve uma vida dura, era viúva, pois o seu marido morrera na guerra colonial. Agora, os pais do Tiago estão a discutir sobre o estado de saúde e o futuro da  D. Micaela. A velha senhora, farta da discussão do casal, interrompeu-os:

      -Olhem, já chega. Parecem uns papagaios a aborrecer-me! Deixem a minha cura para trás, que, de qualquer maneira, irei morrer. É apenas uma questão do tempo. Também tenho alguns filhos infiéis que não querem saber nada de mim, por isso, prefiro morrer mais cedo para não os ver. Mais uma coisa, eu não quero passar esta última fase da minha vida cheia de memórias dolorosas. O que podem fazer é levar-me a viajar para algum lado que é muito melhor do que estar deitada na cama do hospital, cheia de tubos enfiados no meu corpo.

      O João e a Helena, os pais do Tiago, ouviram atentamente o discurso da senhora. O João e o Tiago não conseguiram reter as lágrimas, e deviam respeitar a escolha de Micaela.

      A família, após algumas divergências, chegou a um acordo e decidiram viajar até França, e, quem sabe, talvez fossem estes os últimos dias de vida daquela sobrevivente.

      Convidaram-me para os acompanhar, porque se aproximavam as férias de verão.

      Daí a duas semanas, preparámos as malas e rumámos a França, de carro. Como a viagem era demorada, decidimos fazer uma paragem mais longa durante o percurso. Então, parámos em Burgos, uma cidade espanhola. Aproveitámos para descansar e visitar a cidade. Nas ruas, passavam multidões que pareciam apertar as estradas. Visitámos um dos monumentos mais fabulosos da cidade, a catedral. Permanecemos nesta cidade por volta de cinco dias. Decidimos não fazer mais nenhuma paragem até chegar a Paris.

      A meio do caminho, o Tiago exclamou:

      -Que belos são os campos de searas! Nunca tinha reparado!

      -É normal. Agora estás mais livre, portanto, reparaste nesses pormenores- respondeu D. Micaela, repleta de experiência e sabedoria.

Após ter proferido estas palavras, começou a tossir sangue. A doença piorara. Ninguém estava à espera que isto acontecesse assim tão cedo.

     Chegámos, finalmente, a Paris. Uma das maiores e das mais importantes cidades do mundo. Ficámos surpreendidos com as luzes da cidade durante a noite. Era tudo tão diferente! Como já era muito tarde, só fomos explorar a cidade das luzes no dia seguinte. Visitámos inúmeros museus, monumentos... e lá estava ela, a Torre Eiffel. Como a cidade era grande, pretendíamos ficar duas semanas neste local. Regressámos mais cedo do que o previsto a Portugal, porque a senhora Micaela, não parava de tossir sangue e estava cada vez mais debilitada. Foi uma viagem extenuante! Chegámos, finalmente, à Guarda, terra natal da D. Micaela.

      No dia seguinte, a avó do Tiago foi ao canil e escolheu um cãozinho muito ternurento. Quando chegou junto do neto disse-lhe:

      -Olha, meu netinho, quando eu morrer, não quero que fiques triste. Estás a ver este cãozinho? Ele acompanhar-te-á, em vez de mim, o resto da tua infância. Ouviste bem?

Estas foram as suas últimas palavras. O Tiago ficou desolado, acariciava as mãos da avó para sentir os últimos calores do seu corpo. Passados poucos dias, foi o funeral da senhora Micaela. Participaram todos os seus filhos, filhas, netos e netas. Alguns daqueles filhos da D. Micaela nunca a visitaram, mas agora mostravam-se arrependidos das suas atitudes, embora já fosse tarde demais.

      A partir do falecimento da sua avó, o Micas, o cão do Tiago, parecia que tinha atitudes idênticas às da senhora Micaela. Então, o Tiago ficava estupefato com as reações do seu animal de estimação e pensava que a sua avó se transformara num cão para acompanhar a sua infância e adolescência.

Bruno Chen, número 2, 7.ºF, Escola Carolina Beatriz Ângelo