Nascimento- 23 de Maio de 1923
“Eduardo Lourenço: Uma vida de
livros e solidão de afetos.”
“Eduardo Lourenço de Faria nasceu
em São Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, distrito da Guarda, em 23 de
maio de 1923 .
Era filho de Abílio de Faria, 2.º
Sargento de Infantaria, e de Maria de Jesus Lourenço.
O prestigiado intelectual era
casado desde 1954 com Annie Salomon, natural da Bretanha, que, tal como ele,
deu aulas na Universidade de Nice até se jubilarem, em 1988-1989.
A vocação para vir a ser alguém
encantado pelos livros - e até fazedor de alguns bons livros - nasceu em sua
casa, durante a infância, em São Pedro do Rio Seco, conforme Eduardo Lourenço
recordava, em entrevista à revista "Ler", em setembro de 2008:
" (...) O meu pai tinha tido
uma certa escolaridade. Tinha frequentado uma escola comercial no Porto. Ainda
jovem, tinha-se alistado no Exército, mas não com a ideia de ficar lá. A ideia
dele era ser médico. Portanto, havia uma série de livros que ele deixou lá na
aldeia".
Eduardo Lourenço frequentou a
Escola Primária em S. Pedro do Rio Seco (1930-1931), tendo partido no ano
seguinte com a mãe e os irmãos para a Guarda, onde o pai era alferes de
Infantaria.
Concluiu o 2.º grau do Ensino
Primário, em 1933, em Almeida, sendo aprovado com distinção no exame final.
Regressou à Guarda, onde frequentou
o 1.º ano do Ensino Secundário no Liceu Afonso de Albuquerque.
Dos 11 aos 17 anos esteve internado
no Colégio Militar, em Lisboa, "como podia ter ido para o seminário",
conforme diria o ensaísta à revista "Visão", em maio de 2003. Viveu
seis anos, interno naquilo que classificava como "um buraco negro" e
do qual não gostava de falar. "Um tipo do meu género engaiolado! Não era e
não sou de me adaptar a uma disciplina rigorosa. E esta só contribuiu para a minha
indisciplina, o meu gosto contestatário. Mas a lembrança mais dolorosa é a de
ficar no colégio durante as férias da Páscoa. Em vez dos habituais 400 alunos,
restavam uns 20, como que excluídos do estatuto da maioria. Sentia uma espécie
de abandono, que me pode ter marcado. Já a maior alegria era ir ao cinema, na
Amadora, com os meus tios. "O Cinema da Amadora foi a minha primeira
catedral. Não uma igreja, nem uma anti-igreja, mas uma catedral, onde vivi os
mais exaltantes, os mais sublimes, momentos da minha adolescência. Para mim,
havia então dois Portugais: um dentro do cinema, outro fora dele. Aquilo era o
céu, o moderno sobrenatural, e ao pé dele qualquer outra forma de religiosidade
empalidecia", dizia Eduardo Lourenço.
Concluído o curso, em 1940, fez
provas de admissão aos cursos preparatórios destinados a alunos provenientes
das escolas militares, e foi admitido pela Faculdade de Ciências. No entanto,
no final do primeiro período, vendeu as sebentas e passou o ano inteiro na
Biblioteca, a ler Nietzsche e outros filósofos.
A marca mais forte que lhe tinha
ficado do Colégio Militar, havia sido o gosto pela História. “A maior das minhas
paixões é a História”. A História como a ficção suprema da humanidade". Em
1941prestou provas de aptidão com destino à licenciatura em Ciências Históricas
e Filosóficas, "por ser o curso para que iam os que não tinham mais nenhum
sítio para onde ir, e porque aquilo de que sempre gostei mais foi de História.
O jornalista recordava que, em
1996, conversando com Eduardo Lourenço sobre os seus primeiros escritos (depois
de ele ter sido o primeiro ensaísta a ganhar o Prémio Camões), ele fez uma
súbita pausa no discurso e comentou: "Só Deus e Freud é que devem saber
porque escolhi o nome literário de Eduardo Lourenço. Talvez porque estava
impregnado dessa ideia dos Lourenços. Hoje, penso nisso com alguma melancolia.
Ou com algum remorso".
Licenciou-se em Ciências Histórico Filosóficas pela Universidade de Coimbra, em 1946, defendendo a tese
de licenciatura subordinada ao tema "O Sentido da Dialética no Idealismo
Absoluto" (publicada em "Heterodoxia I"). Concluiu o curso com
18 valores. No ano seguinte, foi convidado para Assistente do Curso de
Filosofia da Faculdade de Letras da mesma universidade.
Entretanto, em 1949, partira para
França, a convite do reitor da Faculdade de Letras da Universidade de Bordéus,
com uma bolsa de estágio da Fundação Fulbright. Foi também professor convidado
da Universidade Nova de Lisboa em 1973, e foi conselheiro cultural junto da
Embaixada Portuguesa em Roma (até ao ano de 1991).
Em 1948-1949 ocorreram dois factos
que viriam a mudar-lhe a vida. A mãe e o pai faleceram, com cerca de seis meses
intervalo. "Com 26 anos, fiquei chefe de família", recordava.
Ensaísta, professor universitário,
filósofo e intelectual português influenciado pela leitura de Husserl,
Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger e Sartre, bem como pelas obras de
Dostoievski, Franz Kafka e Albert Camus, esteve de certo modo ligado ao
existencialismo, sobretudo por volta da década de 1950, altura em que colaborou
na "Árvore" e se tornou amigo de Vergílio Ferreira.
Foram-lhe atribuídas a Ordem de
Santiago da Espada (1981), a Ordem do Infante D. Henrique (Grande Oficial)
(1989) e "L'Ordre de Mérite" (Ordem de Mérito, distinção do Governo
Francês) (1996). Foi distinguido pela França como "Chevalier"
(cavaleiro) de "L'Ordre des Arts et des Lettres" (Ordem das Artes e
das Letras) (2000), "Chevalier" da ordem nacional "Légion
d'Honneur" (Legião de Honra) (2002) e a Medalha de Mérito Cultural (2008),
atribuída pelo Governo português.
Entre outros galardões, Eduardo
Lourenço recebeu o Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon (1981), o Prémio
Camões (1996) e o Prémio Vergílio Ferreira (2001).
Intérprete maior das questões da
cultura portuguesa e universal, Eduardo Lourenço é tido como um dos mais
prestigiados intelectuais europeus, que marcou durante mais de meio século o
pensamento português (com especial ressonância no pós-25 de Abril). A sua voz
exercia um grande e consensual fascínio sobre a intelectualidade portuguesa,
surpreendendo pela "capacidade de ser portador de um olhar sempre
diferente e inquietante sobre os problemas de que se ocupa", espantando
pela "pluralidade de interesses, a imensidão de uma cultura que não se
entrincheira em redutos de erudição, o jogo ilimitado das referências",
conforme escreveu Eduardo Prado Coelho em "Eduardo Lourenço: Um Rio
Luminoso", in "A Mecânica dos Fluidos" (1984).
Crítico e ensaísta literário,
virado predominantemente para a poesia, assinou ensaios polémicos como
"Presença ou a Contra Revolução do Modernismo Português?" in "O
Comércio do Porto" (1960) ou um singular estudo sobre o neorrealismo
intitulado "Sentido e Forma da Poesia Neorrealista" (1968). Da sua
vasta obra - disseminada em cerca de meia centena de livros abarcando áreas tão
diversas como a literatura, crítica literária, filosofia, teoria política,
história, cultura e ensaísmo - destacam-se reflexões sobre a cultura
portuguesa, como o "Labirinto da Saudade: psicanálise mítica do destino
português", 1978; "A Europa desencantada: para uma mitologia
europeia", 1994; "O esplendor do caos", 1998; "A nau de
Ícaro", 1999 e "A morte de Colombo. Metamorfose e fim do Ocidente
como mito", 2005.”
Fontes: Jornal de Notícias , 1 dezembro de 2020 ( www. jn. pt. <artes< eduardo lourenço.
Créditos fotográficos: Paulo Spranger ( da Global imagens)
Contraponto